quarta-feira, 16 de julho de 2014

Metamorfose à moda gaudéria


Um dia eu acordei e estava verde. Não de um verde luminoso, radiante, verde de torcer para o Brasil. O meu era um verde desmaiado, mais para musgo, verde-bile. Me vi no espelho e pensei, como é que eu boto o pé fora de casa desse jeito? Atender o público, ir a uma reunião dos Solteiros com Cristo na minha igreja mais tarde? Lei da vida: basta sair horrível que a gente encontra o sujeito de quem é a fim ou a mulher dos sonhos. Só sei que eu estava verde. E não havia nada a fazer senão enfrentar a quarta-feira de chuva assim mesmo. Verde.

em que tentei trabalhar de luvas, mas a minha gerente não permitiu. Sou caixa em uma lanchonete da Protásio. Uma cliente recusou o troco que lhe estendi com meus dedos esverdeados. Algumas crianças apontavam para mim. As colegas me olhavam, desconfiadas. Eu estava verde e talvez esse não fosse um problema tão grande. Bastava recombinar as cores da roupa e do cabelo. Rosa não usaria mais, verde e rosa é Mangueira e minha escola do coração sempre foi a Portela. Mudaria o loiro pintado que usava há anos, muito ufanista para depois da Copa. Ainda estava me convencendo de que o quadro não era tão grave quando notei uma mudança. O verde, agora, estava mais vivo. E mesmo que não chovesse dentro da lanchonete, eu me sentia úmida. Inventei que minha avó havia falecido inesperadamente e corri para casa.

Telefonei para a doutora Ana Paula, minha dermatologista. Ela insistiu para que eu passasse no consultório, mas chovia tanto que preferi me automedicar. No armário do banheiro, uma pomada Minâncora. Segundo a propaganda, curava tudo. Passei no corpo inteiro. Tentei falar com a doutora Rosaura, que fazia as unhas com a minha mãe. Ela estava em um congresso na Grécia. Ainda não eram quatro da tarde e o céu carregado de nuvens escuras aparentava noite fechada. Há tempos não se via tanta água caindo do céu. A essa altura, minha roupa começou a incomodar. Diabo de alergia, dermatite ou que diabo seja. Vou ter que entrar no corticoide – isso se não cair no antibiótico. E o encontro de Solteiros com Cristo fica para a próxima. Se não achei o amor da minha vida até hoje, não vai ser justo no dia em que acordei verde. E ainda com este temporal.

Dormi, acordei, dormi de novo, acordei melhor. Devo ter tirado a roupa durante a noite, talvez com febre, talvez porque a sensação de umidade piorasse no pijama de flanela. Assim a pele respirava melhor. E também brilhava mais verde. Foi quando percebi que a borda do meu colchão estava longe, longe. Fiquei de pé na cama agora imensa. Ia dar um passo, mas pulei. E dei outro pulo, e outro. Da beirada pulei para o chão. E continuei pulando pelo quarto, que nunca tinha sido tão grande. Eu havia virado um sapo. Se fosse Kafka, seria uma obra-prima. Mas era só Porto Alegre, 80% do volume de chuva de julho em 12 horas. E isso que era apenas dia 4.

(Texto de Claudia Tajes,
Publicado no Donna, ZH 13/07/14)



* Pelos dias e dias que passamos aqui no Sul abaixo de chuva - e ainda tem muita gente desalojada/desabrigada - quem não virou mofo, virou sapo.


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